A Feira de Ciências do CEVEC

Todo ano a escola parava. Todos os alunos ficavam com o coração na mão. O ano todo esperando. Até que chegava. Mas, demorava. A famosa Feira de Ciências.

Cada turma que se formava levava esta lembrança da escola. Tinha sido o momento de cada um brilhar. Não só para a professora. Para a família. Para os colegas. Mas, principalmente para  a primeira paixão da vida. O menino da outra sala. A menina da primeira fila. Cada um, cada uma tinha tido se deliciado com as dores da primeira flecha de Cupido e, durante a Feira, era o momento propicio para se destacar, chamar a atenção.

O coração gritava. Dos olhos, as flechas zuniam em direção à pessoinha amada. O desespero jovem com a possibilidade de perder o primeiro amor. Não conquistar a primeira paixão. Parecia que o mundo até ia acabar.

As turmas das séries anteriores, ainda proibidas de participar, sonhavam antecipadamente. Faziam planos. Pesquisavam projetos. Era o ápice. O grau mais alto da escola era se apresentar na Feira de Ciências.

Carlos, Roberto, Júlio e César sonharam juntos esta conquista desde a sétima série. Foram longos anos de espera. Expectativas. Seriam os bam-bam-bans do colégio. Alcançariam a glória. De guarda-pós bancos, cabelos na última moda, conteúdo na ponta da língua. Iriam impressionar meio mundo. Era o que pensavam. Era o que sonhavam.

Mas será que naquele ano haveria a tão sonhada Feira?

Depois de longos e seguidos anos, galgando um degrau por vez, chegaram, enfim, ao terceirão. Agora era definitivamente a oportunidade deles. Desde o primeiro dia de aula deste ano, a turma toda marcava firme em cima os professores da área de ciências. Queriam porque queriam ir logo se preparando. Encaminhando o projeto. Causando alarde nos corredores. Criando motivos para puxar conversas com as alunas ou alunos interessantes

Os professores pediam calma. Esta ansiedade acontecia todos os anos. Era difícil acalmar a moçada. Porém, mais difícil ainda era distribuir os temas, os assuntos a serem pesquisados, e os trabalhos a serem feitos. Todo ano saía quebra pau. Várias equipes desejando o mesmo assunto. Alguns conteúdos sendo disputados a tapa. Outros enredos desprezados. Ninguém os queria por acharem que não impressionariam a plateia.

A turma do Carlos era conhecida como a turma do Fundão. Não porque fizessem bagunça. Mas, porque eram muito descolados. Levavam tudo na brincadeira, mas, na última hora,  davam conta do recado. Era um jeito de ser. Uma pouca vontade de parecer sério. Uma maneira de curtir o restinho da adolescência.

Carregavam, porém, esta cicatriz, esta ferida. Turma do Fundão. É que nos primeiros anos da escola eles tinham sido realmente uns pestinhas. Salvos pelo motivo de nunca desrespeitarem os professores. Por isso, eles tinham um medo  Por causa desta fama os mestres lhes passarem algum assunto sem graça para desenvolverem e apresentarem na Feira.

Até ensaiaram serem mais nerds no final do ano anterior, desistiram, porém, quando viram que os professores perceberam a trapaça e até tiravam uma na cara deles. Ficaram mais furiosos ainda, quando o professor Marcos de Biologia presenteou a eles o livro A vida dos Besouros. E disse sarcasticamente: – Para serem nerds de verdade, vocês precisam engolir este livro de ponta a ponta, de cor e salteado.

Logo o professor Marcos, pensaram, ele que demonstrava ser nosso amigo, dar um livro deste para a gente. Daí, em diante, todas as vezes que os via pelo pátio da escola, o mestre lhes perguntava: – Gostaram do livro dos besouros? Um dia vocês vão precisar. Os quatro até cortavam volta para evitarem novos encontros.

Então, por isso, ao chegar o grande e aguardado dia de serem distribuídos os temas, eles já nem sonhavam com grande coisa. Sentados os quatro, juntos, em posição meio rebelde, olhavam de olho comprido os assuntos mais brilhantes serem abocanhados pelos verdadeiros nerds da sala. A questão dos aracnídeos. O planetário.  O sistema circulatório. O cérebro.

Os temas mais atraentes iam sumindo, saindo para outras equipes.

Uma ponta de inveja, os olhares deles confessavam. Parece até que o professor organizador foi vingativo. Deixou para eles o último tema. Eles ficaram na boa. Alguma coisa terrível não poderia ser. Tentavam disfarçar o suspense jogando bolinha de papel, ex-aviõezinhos, no lixo.

NInguém ia embora, todos queriam saber qual seria o tema do trabalho da turma do Fundão. Vingança ou solidariedade?  Corações batendo. Após um longo suspiro e um olhar misterioso, o professor se posicionou para anunciar. Para comemorar a vingança ou a festa até imitou um tambor ruflando tam-tam-tam-ram e o assunto da Turma do Fundão é… fez uma pausa cruel e, como se gostasse de prolongar o sofrimento, contou é 3, é 2, é 1… foi uma eternidade para a todos. -O tema da turma do fundão é os besouros.

Um silêncio engoliu a escola. Os quatro meninos sentiram o golpe. As outras equipes nem tentaram disfarçar os risos de desdém. Tinham certeza de que a Turma do Fundão não iria conseguir produzir nada de bom. E dariam adeus à escola e às meninas de forma melancólica. Tchau, Fundão.

Até eles, os quatro, ficaram com esta triste certeza após o funesto anúncio do professor. Mas, como eles eram de boa, descolados etc e tal não deram o braço a torcer. Ficaram firmes. Como se tivessem ganho o melhor tema da Feira.

Todas as equipes teriam uma semana para pesquisar, desenvolver e preparar o trabalho de apresentação. A sala parava.  A escola parava. A cidade parava. Todos em transe aguardando a Feira. O ponto máximo da escola.

Os quatro da Turma do Fundão desapareceram por dois dias. As outras equipes vibravam com a ausência deles. Sinal de que abandonaram a escola, pensavam. As meninas estavam decepcionadas. Logo eles, os bacaninhas, serem eliminados assim?

Faltando dois dias, a Turma do Fundão reapareceu na escola. Pareciam mais perdidos que tatu no asfalto.  Olhos desanimados. Cabelos desgrenhados. Roupas amarrotadas. É o jeitão deles, comentou a Karol,  sentindo uma dozinha dos amigos.

Afinal, chegou o grande dia. Todas as equipes preparadas em seus stands. Cartazes, figuras, luzes, cores. Menos a Turma do Fundão. Coitados, com aquele tema também como é que iam se dar bem, falou a Magda para o Jacinto quando este vibrou com a ausência  dos quatro.

O povo foi chegando. Prefeito, vereadores, professores, ex-professores, alunos, ex-alunos, aquela muvuca gostosa. Olhavam trabalho por trabalho, vibravam com os resultados mostrados pelos alunos. Famílias orgulhosas. Só estranhavam o espaço vazio reservado para a Turma do Fundão.

Quando a Feira chegou ao auge, colégio lotado. Diretora felizona da vida.  Uma bola de fumaça subiu do meio da multidão abrindo um círculo. Foi um ohhh, que é isso? por todos os lados.  Todos se voltaram para o círculo aberto. Lá estavam os quatro da Turma do Fundão fantasiados de besouros. Umas fantasias diferentes, bem coloridas.

E mais quatro outros alunos que eles convidaram da sétima  série  para serem coadjuvantes como bandidos. Bandidos perigosos que nem mesmo o Superman, o Homem-aranha, ou o Batman conseguiriam derrotar, de tão superpoderosos que eram. Os tais bandidos botaram terror na galera. Faziam ameaças tão sérias de destruir o planeta que, em poucos segundos, estavam todos, diretores, professores, autoridades e alunos torcendo para que os besouros conseguissem derrotá-los.

A luta foi titânica, terrível, trágica. Os bandidos destruidores da terra avançavam, hora via aérea, iam destruir a cidade pelo ar, então o super-herói Besouro Rola-bosta, com seus conhecimentos sobre o posicionamento das  estrelas na Via Láctea e se guiando pelas órbitas interplanetárias conseguia localizá-los e neutralizá-los com suas asas escuras e fosforescentes.

Os bandidos mudaram de tática, vinham agora com tanques de guerra.  Não ia sobrar nada do planeta, a multidão encolhida. Nesta hora, entrou em ação o Besouro Hércules,  o super-herói mais forte do universo, capaz de levantar 850 vezes o próprio peso. Para ele não foi problema, com um tanto de esforço, agarrou a borda do tanque de guerra dos bandidos e o virou de ponta-cabeça. A plateia, aliviada do perigo batia palmas, feliz.

Mas, os bandidos não se davam por vencidos. Retomaram o ataque, estavam dispostos a destruir o mundo de qualquer maneira. Vinham, desta vez, armados com metralhadoras, canhões e fuzis. Super carga de explosivos. Não era brincadeira, não. Agora o mundo iria pelos ares, de qualquer forma.

Foi a hora em que, sem anunciar, de surpresa, entrou em ação o super-herói Besouro Bombardeiro, que tinha poderes de misturar, dentro de si mesmo, os mais corrosivos ácidos e enzimas, formando ,assim, grandes bolas   esverdeadas que, ao atingirem os armamentos dos bandidos destruidores do planeta,  transformavam cada arma deles, fosse  metralhadora, revólver ou canhão em uma massa derretida e inútil,  na hora.

Apesar da força e da coragem dos heróis besouros, os bandidos não se rendiam. Vinham, desta feita, do espaço com um grande meteorito sequestrado por um foguete para atingir a Terra. Ia ser como na destruição dos dinossauros. Subiria poeira cobrindo toda a terra. A vida  definharia. A flora morreria. A fauna sucumbiria.  A plateia se encolheu novamente. Como fazer agora para nos defender?

A dúvida era grande. Não havia mais esperanças. O que os heróis besouros poderiam fazer contra tal ameaça?

Pois deram um jeito. Três deles levantaram, nos braços, o indestrutível herói besouro Casca Grossa, o dono da carapaça mais resistente das galáxias. E num movimento super bem sincronizado, lançaram o companheiro contra o meteorito. Acertaram o cálculo. Ao descrever a parábola no espaço, o choque foi tremendo. A pedra do espaço se esfarelou e o mundo foi salvo pela quarta vez naquele dia.

A plateia veio abaixo em aplausos. Todo mundo entendeu o que a Turma do Fundão queria transmitir. Não se sabe se obtiveram um dez, mas foram aplaudidos durante muitos minutos. Se tornaram  celebridades  tiveram que dar  autógrafos nas camisetas, nos cartazes. Brilharam.

Só depois de muito festejados e paparicados por todos é que perceberam lá , no fundo, isolado, o professor Marcos, que eles tinham tanto evitado, correram até ele, então, e como festeiros que eram, após abraçar o professor carinhosamente, o ergueram nos ombros e, para assombro de todos, desfilaram com o mestre por toda a Feira.

Levaram esta experiência para sempre.  Ficaram como um marco na escola. Guardaram muitas cartinhas de admiradoras. Todos os anos, depois, até na Universidade, eles mandavam uma cartinha agradecendo ao presente de fim de ano que o professor Marcos lhes dera.