O declínio de Luan, de Rei da América a possível negócio com o Oriente Médio

Na noite de 29 de novembro de 2017, em uma cancha ao sul de Buenos Aires, uma bola lançada no lado esquerdo do campo encontrava aquele que semanas depois seria consagrado o melhor jogador do continente pelo jornal uruguaio El País. A bola é deitada na grama e Luan envereda área adentro, costurando a catatônica zaga do Lanús antes de encobrir sutilmente o arqueiro Andrada para marcar o segundo gol gremista e praticamente garantir o terceiro título da América. “Que lo parió! Que pedazo de gol”, derramava-se Walter Nelson, locutor da rádio argentina La Red.

Não apenas pelos oito gols anotados (apenas um a menos que José Sand, artilheiro daquela edição), o jogador nascido em São José do Rio Preto (SP), em 1993, tornou-se o grande condutor da campanha do tricampeonato gremista. Afinal de contas, era Luan quem embaralhava e distribuía as cartas naquela envolvente formação gremista, uma das melhores versões sob o comando de Renato Portaluppi. Amparado pelo jogo de proximidade, aparecia de falso nove, articulador clássico ou deslocado, e parecia dominar cada quadrante da carpeta de grama.

O “pedazo de gol” simbolizava perfeitamente a ascensão de Luan, que já aparecera como protagonista no título da Copa do Brasil e como peça fundamental na recuperação da Seleção Brasileira no decorrer das Olimpíadas, em 2016. Aos 24 anos, era o mehor jogador em atividade no Brasil e o destino natural das coisas parecia a zona de embarque internacional do Aeroporto Salgado Filho, diretamente de Porto Alegre para algum lugar do outro lado do Atlântico. A direção do Grêmio o segurava, e os gremistas dormiam mais tranquilos.

Aos poucos, no entanto, aqueles delirantes momentos vividos no conurbano bonaerense foram restando presos a um passado que desrespeitava o próprio fluxo natural do tempo, de tão distante que parecia. Luan sempre dava a impressão de jogar e andar um tanto desligado, nem sentia seus pés no chão, como diz a música dos Mutantes. Nos melhores momentos, era uma vantagem flutuar sobre a grama e entre linhas de defensores, mas quando começou a se desenhar a queda, que não foi um tombo, pois aconteceu lentamente, de imediato apareceu a sensação de falta de compromisso. A aposta na recuperação, no entanto, ainda era válida, tanto que no começo de 2020 o Corinthians desembolsou R$ 22 milhões, a quinta contratação mais cara da história do clube.

O Rei da América nunca chegou a Itaquera. Nem sequer uma versão genérica, com coroa de alumínio. É verdade que o modo de jogar do Corinthians, sem tanto apreço aos espaços curtos, também contribuiu para que sua letárgica cadência ficasse evidente, mas em nenhum momento Luan demonstrou inconformidade com seu próprio declínio. O catedrático acabou transferido para a burocracia: participações desmaiadas, um passe para o lado, a cabeça baixa. Os corintianos jamais testemunharam uma faísca que fosse do homem que há cerca de três anos desenhou uma obra expressionista em forma de gol no estádio La Fortaleza.

Nas últimas partidas, raramente Luan aparece no time. Não começou jogando nem quando a equipe passou por um surto de Covid, e talvez seja até envolvido em alguma negociação providencial com o Oriente Médio. Dentr de alguns dias, ele completa 28 anos e poderia estar vivendo o ápice de sua jornada pelos campos — estender aquela época em que encantava locutores argentinos não era uma tarefa simples, mas parecia possível. As possibilidades, no entanto, enveredaram por outros caminhos, e hoje Luan é apenas um arrependimento corintiano.