Qual é o Cristo que nasce em seu coração?
Há uma pergunta que volta, insistente, toda vez que dezembro avança e as luzes piscam nas janelas: que Cristo, afinal, está nascendo no coração de cada um? Não o Cristo das vitrines, nem o Cristo embalado em discursos prontos. Mas o Cristo real, aquele que incomoda, que desafia, que chama para a coerência.
Porque, convenhamos, há Cristos demais por aí.
Há o Cristo conveniente, usado como carimbo de aprovação para quem vocifera ódio enquanto cita versículos de memória. É curioso e triste, ver pessoas que se autodeclaram devotas com uma mão no peito e a outra apontando o dedo, dividindo o mundo entre “nós” e “eles”, como se a fé fosse um clube exclusivo, e não um convite à compaixão.
Há também o Cristo empreendimento, transformado em senha para prosperidade financeira. A lógica é quase mágica, “creia e enriqueça”. Como se a fé fosse investimento, como se Jesus tivesse vindo ao mundo para ensinar técnicas de acumular bens e não para desmontar idolatrias, inclusive a idolatria do dinheiro. Nessa contabilidade espiritual, o sagrado vira produto e o fiel, consumidor.
E existe ainda o Cristo da omissão, o Cristo confortável, dócil, que não exige mudança, não cobra postura, não questiona privilégios. Um Cristo decorativo. Esse cabe em qualquer discurso e por isso mesmo não transforma nada.
Mas o Cristo do Evangelho é outro. Ele nasce na contramão. Nasce pobre, nasce entre os que não têm lugar, nasce oferecendo um caminho que não é de riqueza nem de superioridade, mas de serviço. E esse Cristo, o da carne e do osso, o da estrada empoeirada, segue perguntando o que fazemos com a fé que dizemos ter.
Afinal, que Cristo nasce no coração de alguém que usa a religião para atacar, excluir, humilhar? Que Cristo floresce no peito de quem transforma a espiritualidade em moeda? Que Cristo habita no discurso de quem ergue muros em vez de pontes?
A resposta, embora incômoda, é simples, não é o Cristo do Evangelho.
A fé, quando verdadeira, não é instrumento de poder, mas exercício de humildade. Não multiplica ressentimentos, multiplica gestos. Não enriquece bolsos, enriquece almas. Não é bandeira partidária, nem arma retórica, é compromisso com aquilo que se prega.
E então voltamos à pergunta inicial, que não quer se calar:
Qual é o Cristo que nasce em seu coração?
O Cristo que abençoa o ego, ou o que confronta?
O Cristo que confirma seus preconceitos, ou o que os desmonta?
O Cristo que promete vantagens, ou o que chama para amar até o que parece impossível?
Talvez seja essa a única reflexão que realmente importa nesta época do ano. Porque o Natal passa. As festas passam. As tradições passam.
Mas o Cristo que escolhemos cultivar, esse, não. Esse molda nossos atos muito depois que as luzes se apagam.
E diz, silenciosamente, quem somos de verdade.
